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domingo, 27 de janeiro de 2013

O fantasma que nos puxa em cada fotografia

Sebastião Salgado 1986 - Serra Pelada

   O que há por trás de uma fotografia? Uma simples representação? Creio que não. Ao visitar uma exposição que teve seu fim hoje, pude perceber quanta coisa há numa imagem. “Um olhar sobre o Brasil: A fotografia na construção da imagem da nação”, exposta no Instituto Tomie Ohtake, não apenas trouxe imagens que representavam a História brasileira, mas também reflexões sobre a nossa sociedade ao longo do tempo.

   Como diz Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga e historiadora, “o fantasma presente na foto nos puxa pela mão”. Em minha visão o fantasma nos puxa em cada representação, na imagem dos escravos em cenários montados, das famílias castigadas pela seca nordestina. Aliás, ao analisar essas famílias pude perceber que elas não mudam com o passar do tempo. A expressão que aparece no começo do século XX é a mesma que vi ao assistir Vidas Secas, filme produzido na década de 1960, e a que vejo hoje no decorrer dos anos 2000.

Evandro Teixeira 1968 -  Ação Militar no Centro do Rio de Janeiro
       Enfim, seguimos para os índios, os homens que se sacrificaram em Serra Pelada, os que tiram o sustento do lixão. Vimos o contraste entre um condomínio de luxo construído ao lado da favela de Paraisópolis, o governo de Getúlio Vargas, o Golpe Militar de 1964, as paisagens paradisíacas da natureza brasileira, as diferentes religiões.

   Segundo a jornalista Simonetta Persichetti “a fotografia mostra os nossos preconceitos”. Para perceber essa questão bastava observar que havia muitas fotografias de escravos, mas que em nenhuma eles apareciam na senzala ou apanhando. Também pudemos ver os senhores de “boa família” em poses que representavam poder, muitas vezes com os escravos atrás. 

Zig Koch 2000 - Fortaleza N.S dos Prazeres
   Simonetta ainda questiona se nos sentimos representados naquelas fotos. Eu não sei o que responder. É difícil aceitar que o meu país diz progredir, mas ainda possui as mesmas vítimas da seca de muitas décadas atrás e que famílias permanecem retirando seus alimentos de lixões. Mas será que posso me sentir representada quando vejo as fotografias de pontos turísticos e festas típicas? Devo não enxergar que a sociedade tentou ignorar o sofrimento dos escravos negros? Só tentaram, pois observando com bastante atenção temos a capacidade de identificar o sofrimento, o medo, as sensações expressadas no olhar de cada fotografado.

   Boris Kossoy, curador da exposição, informa que há uma micro História em cada fotografia, e que esta é fonte de investigação e reflexão da História do Brasil. Sim! Precisei fazer duas visitas à exposição para ver com atenção todas as fotografias e enxergar essas micro Histórias. Assistir à mesa redonda em que Lilia, Simonetta e Boris participaram também foi importante para concluir que a nossa história está impregnada em cada imagem e que vários fantasmas nos puxam com força. Os fantasmas nos puxam para que vejamos o que foi, o que é e o que poderá ser o nosso Brasil.

Numo Rama 2001 - Sério Humanos 

Por Priscila Pacheco

domingo, 20 de janeiro de 2013

Chico Buarque, “Leite Derramado” e uma breve análise


   No dia 19 de junho de 1944 nasce, no Rio de Janeiro, Francisco Buarque de Hollanda, o famoso Chico Buarque. Filho do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista amadora Maria Amélia Cesário Alvim, oriunda de uma tradicional família mineira, Chico pertence a uma linhagem que traz marcas na História do Brasil. Sua árvore genealógica é constituída por um poderoso senhor de engenho do nordeste, José Ignácio Buarque de Macedo, que se casou com a ex-escrava e analfabeta Maria José Lima. 

   Dessa união surgiram descentes, como o Conselheiro Antônio Buarque de Macedo Lima, ministro do Supremo Tribunal no Império; Conselheiro Manoel Buarque de Macedo, ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas no Império; Manoel Ciridião Buarque, educador; e por fim Sérgio Buarque de Hollanda, historiador e pai de Chico Buarque.

   Chico Buarque que é um importante compositor, cantor, teatrólogo e escritor, cresceu rodeado de intelectuais e artistas, por exemplo, Vinicius de Moraes. Mudou-se para São Paulo ainda criança, morou na Itália devido a um trabalho do pai, voltou para São Paulo e estudou no Colégio Santa Cruz, lugar em que apresentou sua primeira composição, Canção dos olhos. Assim, adentrou o mundo da música. Logo depois veio o teatro e a literatura.

   Ouça Canção dos olhos



   No mundo da literatura, Chico Buarque começou ao publicar crônicas no jornal do colégio Santa Cruz. Em 1974, lançou a novela Fazenda Modelo, uma alegoria representada por animais, como bois, que mostra a sociedade brasileira na época da ditadura militar. Nesse livro, Chico apresenta a dominação da sociedade num momento em que o dito milagre econômico tenta mascarar a realidade.

   Em 1979 é a vez da literatura infantil. O escritor mostra em Chapeuzinho Amarelo os temores infantis. Em seguida, vem A bordo de Rui Barbosa, que foi escrito na década de 1960, quando Chico deixava as aulas de arquitetura para compor Bossa Nova nos porões da FAU - USP. Todavia, os versos foram publicados somente em 1981. 

   Estorvo, de 1991, foi o primeiro romance e aborda a questão da identidade e solidão do protagonista num cenário constituído por devaneio e lucidez. Benjamim é o segundo romance publicado em 1995 e é uma narrativa policial. O terceiro, vem em 2003 com Budapeste, e novamente, mostra a questão da identidade. Mas, dessa vez, por meio do personagem José Costa, que voltando para ao Brasil, por um imprevisto, para em Budapeste. Assim, o enredo traz um envolvimento do personagem com a língua húngara e um caso extraconjugal com uma mulher da região. Estorvo, Budapeste e Leite Derramado são vencedores do Prêmio Jabuti de melhores livros do ano, respectivamente em 1992, 2004 e 2009. 

   Aquele, o quarto e último romance, Leite Derramado lançado em 2009, é caracterizado pela história de uma família marcada pela decadência social e econômica ao longo do final do século XIX e início do século XX até os dias atuais no Brasil. Através do personagem Eulálio Montenegro D’Assumpção, Chico Buarque utiliza como pano de fundo a história do país, para tratar a questão da memória histórica e oficial da nação, além das memórias particular do narrador. O enredo que estimula a reflexão traz à tona compadrios, preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção e delinquência, que assolam a sociedade brasileira desde a sua formação até hoje. E tudo isso é apresentado pelas palavras de Eulálio, um homem de 100 anos de idade, doente num hospital, atormentado por momentos de devaneio e lucidez. Dessa forma, é possível dizer que o tema central da obra é o conjunto de memórias pessoais envolvidas no contexto histórico, político e social do Brasil.

   Veja a leitura que Chico faz de um capítulo de o Leite Derramado



   Tendo em vista a condição peculiar em que se encontrava o narrador e única voz do texto, ou seja, não havia ninguém para contrariá-lo ou contradizê-lo, destaca-se total parcialidade no seu discurso.
 “(...) nem tudo o que digo se escreve, você sabe que sou dado a devaneios. (...) Na velhice a gente dá para repetir casos antigos, porém jamais com a mesma precisão, porque cada lembrança já é um arremedo de lembrança anterior” (2009, p.136). 

   Discurso de um velho doente que relembra sua vida, do ponto de vista de um aristocrata decadente. 

   “Mesmo vivendo em habitação de um só compartimento, num endereço de gente desclassificada, na rua mais barulhenta de uma cidade-dormitório, mesmo vivendo nas condições de um hindu sem casta, em momento algum perdi minha linha” (2009, p.136).

   Mas, que deixa dúvidas na descrição de suas versões, uma vez que repeti, por inúmeras vezes, cenas de sua vida de modo diferente.

   “Ensinei-o a ler, arranjei-lhe uma bolsa de estudos no meu antigo colégio de padres onde meu nome ainda abria portas. (2009, p.125) (...) Eu o levava de calças curtas ao Senado, fiz fotografá-lo na tribuna de onde seu bisavô tantas vezes discursou. (2009, p.126) (...) Esse Eulalinho criei como se fosse um filho, ensinei-o a ler, matriculei-o no colégio de padres onde meu nome abria portas, fiz fotografá-lo de calças curtas o Senado. (2009, p.127) (...) Esse Eulalinho criei como se fosse um filho, ensinei-lhe a abrir portas, fiz fotografá-lo de calças curtas com padres vermelhos (...)(2009, p.127). 

   Nessa citação acima há que salientar que não é possível saber de qual Eulalinho está dizendo, visto que, ora fala de seu neto, ora de seu bisneto.

   Ainda, quando trata de reconstruir passagens da história do país o faz de modo particular, destacando momentos gloriosos das oligarquias dominantes do qual fazia parte. 

   “Vovô era mesmo um visionário (...). Conquistou o apoio da Igreja, da maçonaria, da imprensa, de banqueiros, de fazendeiros e do próprio imperador, a todos parecia justo que os filhos de África pudessem retornar às origens, em vez de perambularem Brasil afora na miséria e na ignorância. (...)” (2009, p.51). 

   E mesmo tendo perdido o status e o poder de sua família mantém a pose que o sustenta por argumentos que perpassam a história nacional. 

   “Pensou que fosse um congresso de mágicos, ao ver meu pai de cartola com ministros e embaixadores, na Exposição de Centenário da Independência. Então lhe expliquei que papai foi o político mais influente da Primeira República(...)”(2009, p.171).

   Com tudo exposto, torna-se iminente questionar se o discurso do narrador, delirante, parcial, passional e partidário, delineia versão fidedigna dos fatos narrados. Mesmo que por conhecimento geral é sabido que as referências históricas pela qual percorre a narrativa são reais. 

   É honesto o relato de um velho homem, doente, que nos conta em primeira pessoa suas memórias? E mais, não seria o contexto histórico, pano de fundo confiável, elemento para dar credibilidade a alguém com poucos créditos e assim, disfarçar ainda mais o delírio? Ou, tudo isso, seria recurso literário narrativo usado pelo autor para causar dúvidas ao leitor e deixar para esse o trabalho de juntar as peças de memórias tão fragmentas? 

Por Priscila Pacheco e Bruna Freesz

domingo, 13 de janeiro de 2013

O retorno da guitarra de Jimi Hendrix

   Uma chuva torrencial não conseguiu impedir o encerramento do festival de Woodstock, em agosto de 1969. Assim, Jimi Hendrix subiu ao palco e numa marcante apresentação que virou a noite, executou em sua guitarra o Hino Nacional Americano com direito a simulações dos ruídos de bombas e tiros de metralhadora.


   Ouça Star Spangled Banner



   Jimi Hendrix morreu um ano depois do evento, mas a música que difundiu continua viva. Tanto que no último dia 09 de janeiro foi lançada “Somewhere”, canção que junto com outras 11 integra o álbum “People, hell & angels”. Os fãs vão poder apreciar o disco completo a partir do dia 05 de março.

   Ouça “Somewhere”


Por Priscila Pacheco
  


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O Brasil é um dos países mais violentos para as mulheres


   
   Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) em média 70% das mulheres sofrem violência em alguma fase da vida. Tal ato pode ser de origem física, sexual, psicológica e econômica. Além de não estar restrita somente há uma região, cultura ou classe social. O que comprova que o problema vai além de países da África, Oriente Médio e outros da Ásia, como a Índia.

   O Brasil, por exemplo, aparece em sétimo lugar nas taxas de homicídio feminino numa relação de 84 países avaliados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 2006 e 2010, como apresenta o Mapa da Violência 2012. O Mapa ainda mostra que 68,8% das vítimas foram agredidas na própria residência. E que 42,5% das agressões foram realizadas pelo atual parceiro ou ex.

   Esses dados confirmam a ideia de que o Brasil precisa avançar bastante na defesa dos direitos das mulheres, apesar de já possuir uma Lei como a da Maria da Penha (lei 11.340/2006). É de extrema importância que haja o combate do machismo e da misoginia* para que crimes como estes não sejam tolerados. E para que as mulheres além de viverem em segurança não sejam humilhadas e consideradas culpadas por algo que são vítimas. 


   *Misoginia: Ódio ou desprezo ao sexo feminino. Algo que vai além do machismo, pois este está relacionado à superioridade masculina e não ao ódio.

Por Priscila Pacheco

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Índia, Congo, Tunísia e Haiti: quatro lugares diferentes e o mesmo problema

Protesto contra a violência que persegue as mulheres

   No último dia 28 de dezembro morreu uma jovem indiana que sofreu um estupro coletivo dentro de um ônibus, em Nova Déli. A moça que já tinha passado por três cirurgias na Índia chegou a ser transferida para um hospital de Cingapura, mas os graves ferimentos não permitiram que ela continuasse a viver. Segundo o site de notícias da BBC, a indiana “foi violentada durante uma hora por diversos homens e depois ela e um amigo foram espancados com barras de ferro e expulsos do ônibus nus”.

   Essa é apenas mais uma das notícias sobre estupro que tive acesso ao longo de 2012. Em julho, por exemplo, a jornalista Eliane Brum relatou a situação das mulheres do Congo, por meio da história de Marie Nzoli que era violentada pelo marido. No artigo Eliane informa que no Congo o estupro é uma arma de guerra, e as mulheres contaminadas por HIV são usadas como armas biológicas.

   O portal Estadão publicou em outubro o caso de uma mulher estuprada por policiais na Tunísia, que quando fez a denúncia foi acusada de indecente. Ainda nessa questão de denúncia o portal divulgou em dezembro a situação de mulheres haitianas que são vítimas desse tipo de violência e encontram dificuldades na hora da denúncia, tanto que até desistem do processo.   

   Enfim, essas notícias mostram como as mulheres ainda são desrespeitadas e desvalorizadas por algumas pessoas em todo o mundo. 

Por Priscila Pacheco

Uma reflexão além do holocausto: o Amor materno


   Ano passado relatei numa postagem do Facebook o que estava sentindo após assistir a alguns relatos dos sobreviventes do Holocausto. Eu disse que ao ver Michel Dymetman adentrando o auditório da Livraria da Vila senti algo diferente. E que ao escutar ele contando a história dando ênfase a procura pela mãe comecei a pensar em todas as mães do holocausto. 

   Refleti sobre o sofrimento das mães que eram separadas de seus filhos. Pensei: como elas ficavam ao saberem que suas crianças estavam próximas da morte pelas circunstâncias da guerra? E o que elas sentiam quando estavam caminhando rumo à câmara de gás sabendo que suas crianças ficariam desamparadas sem ninguém para cuidar delas? Imaginem a dor terrível que sufocou o coração delas.

   Diante disso decidi que leria o livro que Michel escreveu sobre todos os anos que passou nos campos de concentração. “Anos de lutas: Relato de um sobrevivente do holocausto” não trouxe a mesma emoção que as palavras proferidas diretamente por Michel na palestra. Mas não deixou que as reflexões ficassem de lado. Dessa vez passou pela minha cabeça a crueldade humana, não apenas a dos nazistas, mas a de qualquer ser humano que pensa em destruir o outro. Lembrei-me do livro de tzvetan Todorov, “A conquista da América: a questão do outro”, pela questão de um grupo se sentir superior ao outro, pelo uso da força para destruir a cultura e roubar a riqueza do próximo. 

   Todavia, ao terminar de ler Anos de lutas, a questão materna voltou a dominar a minha mente. Michel disse que na última vez que viu a mãe ela estava sendo transferida de campo de concentração, e que durante a partida ela jogou do veículo em que estava uma malha para ele. Aquela mãe estava indo para um lugar muito frio, mas preferiu deixar para o filho a única malha que tinha. Assim, lembrei-me de uma cena que presenciei num sábado pela manhã há alguns anos. Em frente ao Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas, uma mulher chorando abraçava um travesseiro. Ao olhar para aquela mulher senti uma empatia imensa. Não sabia se estava chorando pela morte ou pelo estado grave que alguma criança se encontrava. Talvez não fosse a mãe, mas uma tia, por exemplo. No entanto, não deixei de sentir a dor que ela expressava nos gestos e nas lágrimas.

   Para mim essas duas cenas estão relacionadas por causa da despedida, do medo de perder alguém muito importante e pelo imenso sofrimento. Michel nunca voltou a ver a mãe, não conseguiu descobrir quando, como nem onde ela morreu. E eu nunca mais voltei a ver a mulher do travesseiro mesmo passando todos os dias por aquele lugar. Não sei se a pessoa por quem ela chorava morreu mesmo ou se sobreviveu. E a mãe de Michel? Deve ter morrido com a esperança de que o filho conseguisse se salvar.    

Por Priscila Pacheco