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domingo, 20 de janeiro de 2013

Chico Buarque, “Leite Derramado” e uma breve análise


   No dia 19 de junho de 1944 nasce, no Rio de Janeiro, Francisco Buarque de Hollanda, o famoso Chico Buarque. Filho do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista amadora Maria Amélia Cesário Alvim, oriunda de uma tradicional família mineira, Chico pertence a uma linhagem que traz marcas na História do Brasil. Sua árvore genealógica é constituída por um poderoso senhor de engenho do nordeste, José Ignácio Buarque de Macedo, que se casou com a ex-escrava e analfabeta Maria José Lima. 

   Dessa união surgiram descentes, como o Conselheiro Antônio Buarque de Macedo Lima, ministro do Supremo Tribunal no Império; Conselheiro Manoel Buarque de Macedo, ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas no Império; Manoel Ciridião Buarque, educador; e por fim Sérgio Buarque de Hollanda, historiador e pai de Chico Buarque.

   Chico Buarque que é um importante compositor, cantor, teatrólogo e escritor, cresceu rodeado de intelectuais e artistas, por exemplo, Vinicius de Moraes. Mudou-se para São Paulo ainda criança, morou na Itália devido a um trabalho do pai, voltou para São Paulo e estudou no Colégio Santa Cruz, lugar em que apresentou sua primeira composição, Canção dos olhos. Assim, adentrou o mundo da música. Logo depois veio o teatro e a literatura.

   Ouça Canção dos olhos



   No mundo da literatura, Chico Buarque começou ao publicar crônicas no jornal do colégio Santa Cruz. Em 1974, lançou a novela Fazenda Modelo, uma alegoria representada por animais, como bois, que mostra a sociedade brasileira na época da ditadura militar. Nesse livro, Chico apresenta a dominação da sociedade num momento em que o dito milagre econômico tenta mascarar a realidade.

   Em 1979 é a vez da literatura infantil. O escritor mostra em Chapeuzinho Amarelo os temores infantis. Em seguida, vem A bordo de Rui Barbosa, que foi escrito na década de 1960, quando Chico deixava as aulas de arquitetura para compor Bossa Nova nos porões da FAU - USP. Todavia, os versos foram publicados somente em 1981. 

   Estorvo, de 1991, foi o primeiro romance e aborda a questão da identidade e solidão do protagonista num cenário constituído por devaneio e lucidez. Benjamim é o segundo romance publicado em 1995 e é uma narrativa policial. O terceiro, vem em 2003 com Budapeste, e novamente, mostra a questão da identidade. Mas, dessa vez, por meio do personagem José Costa, que voltando para ao Brasil, por um imprevisto, para em Budapeste. Assim, o enredo traz um envolvimento do personagem com a língua húngara e um caso extraconjugal com uma mulher da região. Estorvo, Budapeste e Leite Derramado são vencedores do Prêmio Jabuti de melhores livros do ano, respectivamente em 1992, 2004 e 2009. 

   Aquele, o quarto e último romance, Leite Derramado lançado em 2009, é caracterizado pela história de uma família marcada pela decadência social e econômica ao longo do final do século XIX e início do século XX até os dias atuais no Brasil. Através do personagem Eulálio Montenegro D’Assumpção, Chico Buarque utiliza como pano de fundo a história do país, para tratar a questão da memória histórica e oficial da nação, além das memórias particular do narrador. O enredo que estimula a reflexão traz à tona compadrios, preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção e delinquência, que assolam a sociedade brasileira desde a sua formação até hoje. E tudo isso é apresentado pelas palavras de Eulálio, um homem de 100 anos de idade, doente num hospital, atormentado por momentos de devaneio e lucidez. Dessa forma, é possível dizer que o tema central da obra é o conjunto de memórias pessoais envolvidas no contexto histórico, político e social do Brasil.

   Veja a leitura que Chico faz de um capítulo de o Leite Derramado



   Tendo em vista a condição peculiar em que se encontrava o narrador e única voz do texto, ou seja, não havia ninguém para contrariá-lo ou contradizê-lo, destaca-se total parcialidade no seu discurso.
 “(...) nem tudo o que digo se escreve, você sabe que sou dado a devaneios. (...) Na velhice a gente dá para repetir casos antigos, porém jamais com a mesma precisão, porque cada lembrança já é um arremedo de lembrança anterior” (2009, p.136). 

   Discurso de um velho doente que relembra sua vida, do ponto de vista de um aristocrata decadente. 

   “Mesmo vivendo em habitação de um só compartimento, num endereço de gente desclassificada, na rua mais barulhenta de uma cidade-dormitório, mesmo vivendo nas condições de um hindu sem casta, em momento algum perdi minha linha” (2009, p.136).

   Mas, que deixa dúvidas na descrição de suas versões, uma vez que repeti, por inúmeras vezes, cenas de sua vida de modo diferente.

   “Ensinei-o a ler, arranjei-lhe uma bolsa de estudos no meu antigo colégio de padres onde meu nome ainda abria portas. (2009, p.125) (...) Eu o levava de calças curtas ao Senado, fiz fotografá-lo na tribuna de onde seu bisavô tantas vezes discursou. (2009, p.126) (...) Esse Eulalinho criei como se fosse um filho, ensinei-o a ler, matriculei-o no colégio de padres onde meu nome abria portas, fiz fotografá-lo de calças curtas o Senado. (2009, p.127) (...) Esse Eulalinho criei como se fosse um filho, ensinei-lhe a abrir portas, fiz fotografá-lo de calças curtas com padres vermelhos (...)(2009, p.127). 

   Nessa citação acima há que salientar que não é possível saber de qual Eulalinho está dizendo, visto que, ora fala de seu neto, ora de seu bisneto.

   Ainda, quando trata de reconstruir passagens da história do país o faz de modo particular, destacando momentos gloriosos das oligarquias dominantes do qual fazia parte. 

   “Vovô era mesmo um visionário (...). Conquistou o apoio da Igreja, da maçonaria, da imprensa, de banqueiros, de fazendeiros e do próprio imperador, a todos parecia justo que os filhos de África pudessem retornar às origens, em vez de perambularem Brasil afora na miséria e na ignorância. (...)” (2009, p.51). 

   E mesmo tendo perdido o status e o poder de sua família mantém a pose que o sustenta por argumentos que perpassam a história nacional. 

   “Pensou que fosse um congresso de mágicos, ao ver meu pai de cartola com ministros e embaixadores, na Exposição de Centenário da Independência. Então lhe expliquei que papai foi o político mais influente da Primeira República(...)”(2009, p.171).

   Com tudo exposto, torna-se iminente questionar se o discurso do narrador, delirante, parcial, passional e partidário, delineia versão fidedigna dos fatos narrados. Mesmo que por conhecimento geral é sabido que as referências históricas pela qual percorre a narrativa são reais. 

   É honesto o relato de um velho homem, doente, que nos conta em primeira pessoa suas memórias? E mais, não seria o contexto histórico, pano de fundo confiável, elemento para dar credibilidade a alguém com poucos créditos e assim, disfarçar ainda mais o delírio? Ou, tudo isso, seria recurso literário narrativo usado pelo autor para causar dúvidas ao leitor e deixar para esse o trabalho de juntar as peças de memórias tão fragmentas? 

Por Priscila Pacheco e Bruna Freesz

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